Copenhagen

Quase duas horas depois chegamos em Copenhague. O dia estava bonito, com algumas nuvens no céu mas o sol aparecendo entre elas. Talvez tivesse sido um bom negócio perder o avião. Cheguei em Copenhague às 14h, liguei para casa (já que em Paris eu não tive tempo) e fui trocar alguns dólares em coroas dinamarquesas para comer no aeroporto, já que a super refeição da TAM parecia um aperitivo (e mais uma vez comprovada a tese do Danilo Gentili, de que não há necessidade da empresa fornecer DUAS torradas para comer com margarina, se a margarina só dá para UMA torrada, anyways). Foi quando quase veio o 3º mico. A moça que trabalhava no guichê de câmbio era muito simpática, parecia ser das Filipinas ou da Indonésia. Quando disse que queria trocar cinqüenta dólares em coroas ela perguntou (tradução simultânea ativada):
“Tem certeza?”. Eu respondi:
“Ahn... sim?” (com interrogação mesmo, como se a estivesse desafiando).
“Vai ser o suficiente?”
“Sim, vou ficar só algum tempo aqui no aeroporto”.
“Ah, vai fazer conexão?”
“Não, vou me teletransportar pra cama da rainha Margrethe!”, pensei. Mas respondi:
“Sim”.
“Para onde você vai?”
Preferi supor que ela não estava sendo intrometida, mas apenas querendo verificar para onde eu ia para tentar me vender a moeda do destino (nossa, essa expressão ficou parecendo, sei lá, um item mágico de RPG, A Moeda do Destino, ou o nome de um daqueles romances americanos que custam cinqüenta centavos e, invariavelmente, falam sobre amor, ódio, traição e dinheiro, não necessariamente nessa ordem).
“Islândia”.
“Nossa, o que você vai fazer na Islândia???”
Essa era boa! Eu quase não ouvi essa pergunta. As únicas pessoas que não me perguntaram “Nossa, o que você vai fazer na Islândia?” foram as que já sabiam o que eu vinha fazer aqui.
Mas é engraçado, na verdade. Porque, de certa forma, a culpa pela surpresa das pessoas que me perguntam isso é delas, não minha. Se eu fosse para Nova York, Paris, Londres, Roma, enfim, qualquer lugar mais conhecido, as pessoas não perguntariam “Nossa, o que você vai fazer em Nova York?”, simplesmente porque elas sabem o que tem pra se fazer lá. Simplesmente diriam: “UAU! Que da hora!!! Me leva com você???”.
Ora, quem disse que não tem nada legal pra se fazer na Islândia, que é só um gosto excêntrico? “Ah, não tenho o que fazer com o dinheiro que eu juntei durante cinco anos, vou torrar tudo... vamos ver... [fecha o olho e aponta o dedo para o mapa] Etiópia! Hum... não, eu precisaria de cento e cinqüenta anos pra gastar essa miséria na Etiópia... e não tô afim de comprar o país... vamos tentar de novo... hum... [abre só um pouquinho o olho pra garantir que não vai cair na África ou na América Latina] A-ha! Islândia!”.
Não, a culpa pela surpresa com que a maioria recebeu a informação de que eu vinha para a Islândia é das próprias pessoas, que não sabem nada sobre o país. Não que isso seja um crime, digamos que, até a crise explodir, a Islândia não era exatamente a queridinha dos noticiários no mundo. Como foi o primeiro país – país, não instituição financeira – a quase ir a pique com a crise, durante um tempo só se falou nisso. Foi a primeira vez que eu vi a Islândia na primeira página de qualquer jornal brasileiro. Mas enfim, o que quero dizer é que não, as pessoas não têm obrigação nenhuma de conhecer qualquer coisa sobre a Islândia, e até seria estranho se conhecessem, dada a... digamos... neutralidade (para não dizer pouca importância) do país no cenário internacional. Não que eu me importe, hehehehe, mas sejamos justos: a pergunta não deveria ser “caralho, que diabos você vai fazer na Islândia?”, e sim: “hum, Islândia... o que tem de legal por lá?”. Afinal, “caralho, o que você vai fazer na Islândia?” sugere que a pessoa que pergunta sabe que na Islândia não se tem o que ver ou fazer (o que não é, de forma alguma, verdade), e por isso se surpreendeu com a ida de algum conhecido para lá. Agora, também para ser justo, é perfeitamente justificável a pergunta: “caralho, que diabos você vai fazer DURANTE 45 DIAS na Islândia???”. Duas semanas seriam mais do que o suficiente. Mas por que ficar duas semanas se você pode ficar seis, pagando só um pouquinho a mais? O preço da passagem é o mesmo, anyways eheheh.
Onde eu estava? Ah, sim, a moça do câmbio. Aí eu expliquei para ela o que vinha fazer na Islândia, e ela perguntou de onde eu era.
“Brasil”.
“Hum! Vocês não têm inverno lá né?”.
Eu ia explicar pra ela que não é bem assim, que o Brasil é um país de proporções continentais, que em algumas partes do país até neva, que na minha cidade a sensação térmica já chegou a 0 grau, mas disse apenas:
“Não. E você, de onde é?”
Eu quase, juro, QUASE acrescentei um “Filipinas” no final. Nem sei por que não perguntei. Sorte, eu acho.
“Daqui mesmo”.
A dinamarquesa com menos cara de dinamarquesa que vi na vida. Papai e mamãe, ou pelo menos três dos avós certamente não eram dinamarqueses hehehe.
Fui comer alguma coisa no segundo andar, depois de fazer o check-in (para me livrar da mala). Havia um Burger King, com uma fila imensa, e uma pizzaria. A fome era grande, mas não do tamanho da pizza, que era enorme. Eu até achei que me equivocara, e que aquilo era pra duas pessoas, mas então vi uns russos (pelo menos parecia que eles estavam valando russo, ouvi distintamente as três palavras-chave que identificam o idioma russo: Glasnost, Perestroika e Vodka. Brincadeira, eles falavam muitos “da” e “nyet”, e tenho quase certeza de que ouvi um “spasibo”) levando uma daquelas pizzas pra cada. E estavam certos: eu comi a pizza inteira, deixando metade das bordas apenas. O nome é Diavola, mas não é tão forte quanto o nome quer fazer parecer.
Passei as seis horas seguintes mofando no aeroporto, já que o avião para Reykjavík só decolaria às 20h10. Serviu de consolo o fato de que, apesar da extenuante espera, eu estava esperando para ir, de avião, para a Islândia, em não de ônibus para Batatais (ia colocar Brodowski, mas aí poderiam achar que é alguma cidade polonesa, o que poderia dar ainda um pouco de dignidade ao destino).
Andei pelo aeroporto inteiro, até as costas e pés começarem a doer. Então encontrei um canto meio escuro, cheio de poltronas confortáveis, claramente pensado para os viajantes que quisessem tirar um cochilo enquanto esperavam o vôo. Sentei numa das poltronas e deixei a mochila ao lado, encostada na parede. Dez minutos depois uma garotinha de uns sete ou oito anos sentou-se numa das poltronas à minha frente e ficou ali, brincando com uma boneca um pouco esfarrapada. Não demorou muito e veio um rapaz, de uns 18 anos, chamá-la. Não sei exatamente qual parte do que ele falou era o nome dela, mas aparentemente a mãe dos dois a estava chamando, lá de dentro da loja de... caviar. Chatíssimo. O rapaz então sentou-se na poltrona em que ela estava e ficou folheando um catálogo. Eu estava com o livro de islandês na mão, tentando decorar os números, e ele viu. Então perguntou:
“Talar þú Íslensku?”
Uau! Para a minha enorme satisfação eu entendi! Balancei a cabeça negativamente e, feliz, disse que só falava inglês:
“Ég tala bara ensku”.
“Legal. Eu também não falo muito bem islandês. Minha avó é islandesa, estamos indo visitá-la”.
“Entendi”.
“Você é americano?”
“Não, não, sou do Brasil”.
“E vai visitar alguém na Islândia?”
Outro!
“Não, só passar algum tempo lá, mesmo. Terminei a faculdade agora e vou me mudar de cidade para continuar estudando e trabalhar. Então resolvi viajar antes disso, e sempre quis conhecer a Islândia”.
“Legal. A que horas é o seu vôo?”
“Ás oito e dez”.
“Icelandair?”
“Sim. E o seu?”
“Às sete, pela SAS”.
“Sorte a sua, estou aqui desde as duas da tarde”.
“Nossa! Que ruim. Bom, preciso ir para o portão. Coma no Bærins Beztu Pylsur quando chegar em Reykjavik, é o...”
“Melhor cachorro-quente do mundo. É realmente famoso”.
“Sim. Boa viagem e aproveita a Islândia”.
“Você também. Takk”.
Esperei por mais algum tempo, passei no duty free comprar chocolates (Kit Kat e Kinder Bueno, um monte de cada, por 6 euros) e fui para o portão. Meia hora depois estava entrando no último vôo do começo da viagem, ansiosamente esperando para chegar em Keflavík, pegar o ônibus que sai do aeroporto e, FINALMENTE, ir para Reykjavík, a cidade que, nos últimos 4 anos, tem sido constantemente parte dos meus planos.

5 comentários:

3 de janeiro de 2009 às 10:50 Francisco de Assis Gallucci de Carvalho disse...

Deveria ter usado de seu humor ácido para dar alguma resposta à funcionária besta!

Toda vez que escuto ou leio algo que vocÇe conta me sinto como um índio botocudo.

3 de janeiro de 2009 às 11:00 Unknown disse...

HÜ╝x▼6∟g¶┬╩Äppoleigh Ghstar FriüUv...
(tahbom, vai... sei q nem todos entendem o islandês. Tradutor simultâneo ativado)

Mas será o benedito? HAHA!!!
Rachei-me de rir.

Compartilho um pouco da sensação do Chico Loko.

The interesting-useless-bullshit-marvelous-writing-technique!!!

Adorei o episódio com a tia perdida, hauhau!!!
Bem como a crítica velada à mediocridade das pessoas de mente padronizada!

Um grande abraço e boa viagem!!!

6 de janeiro de 2009 às 09:09 Anônimo disse...

puta mundo injusto... aqui na Sapatolândia um kinder bueno tá 4 reais...afff

(aquelas q lê o post inteiro e soh comenta da comida... ô mente de gordo!!!)

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