Ísland

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"E agora o bicho vai pegar!!!"

Eu ia postar sobre os acontecimentos subseqüentes aos do post anterior, mas ontem eu vivi uma experiência incrível, e vou relatá-la aqui antes de retomar o assunto antigo. Talvez não tenha sido noticiado nos jornais brasileiros, mas aqui na Islândia a coisa está esquentando, apesar da neve que já cai com certa regularidade. Os dois principais partidos que governam o país não são mais aliados, resultado de sucessivas e infrutíferas reuniões para discutir o que fazer com a instável economia islandesa. Para dar ainda mais emoção a essas reuniões, o povo saiu às ruas para protestar, e decidiu tornar impossível o trabalho dos membros do Parlamento, realizando piquetes constantes em frente ao Althingi.

Na tarde de ontem, quarta-feira, dia 22 de Janeiro, havia quase duas mil pessoas na Austurvöllur, batendo panelas, assoprando apitos e buzinando em frente ao prédio do Parlamento. Eu havia ido ao supermercado, que fica ali perto, e decidi parar para ver o que estava acontecendo. Os comuns protestos aos sábados, contra a súbita falta de transparência nas ações do governo, transformaram-se em verdadeiras manifestações exigindo eleições imediatas. Enquanto uma linha de policiais da tropa de elite (não, não são comandados pelo Capitão Nascimento, sim, essa piada seria óbvia hehe) protegiam a porta de acesso ao prédio, os manifestantes lotavam a praça, que estava coberta de gelo e, portanto, escorregadia pra cacete.

As pessoas gritavam o tempo todo: “Fora governo incompetente! Eleições já!” Claro que eu não entendi porcaria nenhuma, mas perguntei para um dos manifestantes o que significava. Foi de fato impressionante. Não havia, como poderia se supor, apenas estudantes chatos e comunistas, que adoram uma manifestação pra dizerem a si mesmos que têm alguma serventia no mundo. Não. A maioria ali era de pessoas com mais de 30 anos, muitas, MUITAS com mais de 50. E estavam possessas, muitas atirando dúzias de ovos e muita tinta nas paredes e janelas do Parlamento, e, também, nos policiais que protegiam a entrada. Sem brincadeira, os membros da tropa de choque estavam com os capacetes e escudos COBERTOS de ovos e tinta. Ah, se fosse no Brasil, já estariam descendo o cacete na negada. Mas parecia bastante óbvio que o governo determinara que os policias não deveriam revidar a não ser em último caso.

E o povo está com toda a razão nos protestos que vêm fazendo. A economia da Islândia está em frangalhos, a moeda desvalorizou quase 70% em menos de quatro meses, os ingleses que tinham dinheiro investido na Islândia e, portanto, tomaram prejuízo, começaram a chamar os islandeses de terroristas e a tratá-los muito mal no Reino Unido. O governo vem celebrando acordos escusos com bancos internacionais, e fechou um dos maiores hospitais de Reykjavík, depois de mandar para Keflavík, a uns 50 km daqui, as pessoas que lá estavam internadas.

A Islândia já se gabou de ser a democracia mais transparente do mundo, o que é fácil num país com tão poucos habitantes. Hoje, porém, o povo perdeu toda a confiança nos seus representantes, que deram bons motivos para isso. Não dão satisfações de mais nada, e tomam decisões conflitantes dentro do próprio governo. A revolta do povo está plenamente justificada.

O protesto prosseguia, quando eu percebi algo interessante. O povo por aqui é tão, mas tão patriota, que eles não destruiriam o seu prédio do Parlamento para protestar. Foi com enorme surpresa e uma gargalhada que eu notei que a tinta que eles atiravam nas paredes e nos policiais não era tinta. Era iogurte. Skyr, o iogurte islandês, que quase não tem gosto (mesmo os que dizem ter sabor de framboesa, pêssego, morango, etc.), mas é colorido. Só os islandeses, mesmo. Fosse no Brasil, melhor nem imaginar o que as pessoas atirariam. Provavelmente outras pessoas.

Já era noite, e fazia um frio do diabo, quando alguns manifestantes acenderam uma fogueira no meio da praça. Mais e mais gente foi se juntando, até que um dos guardas resolveu usar um extintor para apagar a fogueira. Ele não devia ter feito aquilo. Quando ele estava voltando para a porta o Parlamento, dois ou três dos manifestantes atiraram pedras nos policiais. Eles também não deviam ter feito aquilo. Era o motivo pelo qual os policiais esperavam para descer o cacete na geral. E foi o que eles fizeram. Gás lacrimogêneo foi usado indiscriminadamente, especialmente nos manifestantes que tentavam sair do local, e não conseguiam por causa da multidão ali aglomerada. Parecia que um enorme bando de gnus havia sido atacado por leões, e eu ali no meio, me sentindo o Simba.

Mas, por sorte, nada me aconteceu e eu consegui sair dali sem quaisquer hematomas, ao contrário da gordinha (eufemisticamente falando) que estava ao meu lado e escorregou no gelo. Detalhe: eu não a vi caindo, apenas a vi sendo levantada. Só percebi que ela havia caído porque o gelo sobre o qual estávamos tremeu. Sério, coitada da moça... eu ri tanto.

A arte de dar nome às coisas


Pouca gente sabe, mas a escolha do nome para a Islândia (Iceland, Terra do Gelo) influenciou a escolha do nome para a Groenlândia (Greenland, Terra Verde).

Antigos documentos foram recentemente divulgados pela Biblioteca Nacional da Islândia, e reproduzem fielmente o diálogo entre dois dos primeiros desbravadores da Islândia, e, meio século depois, de seus filhos, que primeiramente pisaram o solo da Groenlândia, num debate sobre que nome dar à terra que haviam descoberto.

Leia a íntegra do diálogo abaixo.



--- tradução simultânea - on ----


Ragnar Jónson: "Véi! Que merda de terra desolada da porra! É só gelo, véi!"

Helgi Kristinson: "Pode crer, mano... como a gente vai chamar esta bosta de lugar?"

R. J.: "Ah véi... Terra do Gelo né?"

H. K.: "Pode crer... na moral..."



(60 anos depois)



Jón Ragnarsson: "Véi, nao veio ninguém pressa birosca de lugar!"

Einar Helgison: "Mais tamém, com uma porra de nome desse, véi! Vamo andá mais pro oeste ali e ver que parada é aquela."



(10 anos depois chegam ao que hoje é a Groenlândia)



J.R.: "É a mema bosta véi, só que tem mais gelo."

E.H.: "E como a gente vai chamá essa parada aí? Terra com MAIS gelo?"

J.R.: "Não cara, usa a cabeça, porra! Lá a gente chamô de Terra do Gelo e não foi ninguém, mermão!"

E.H.: "É memo."

J.R.: "Vamo chamá de Terra Verde, mano! Vai bombá mais que o carnaval de Salvador, véi!!!"

E.H.: "Pode crer... na moral..."


* Obrigado ao Tom pela conversa onde surgiu a idiotice acima veiculada :p

Fora de escala

Reykjavík é, provavelmente, a maior prova da mania de grandeza dos islandeses. Favor não entender errado – não se trata de um sentimento arrogante, mas puramente nacionalista e patriótico. Durante muito tempo a Islândia esteve sob o domínio da Dinamarca, e a nação fundada pelos Vikings experimentou, por longas décadas, um sentimento de apatia e desinteresse pelo futuro de seu país. Contudo, movimentos nacionalistas começaram a nascer no país na 1ª metade do século XIX. No começo do século XX a Islândia obteve autonomia de governo, e em 1944 proclamou sua República, desvinculando-se de uma vez por todas da Dinamarca.

Desde então o país modernizou-se rapidamente, especialmente a sua indústria pesqueira. O Plano Marshall contribuiu para o crescimento da Islândia, que inclusive venceu uma disputa por áreas pesqueiras com a Inglaterra, conflito que os tablóides britânicos chamaram de “Cod Wars” (Guerras do Bacalhau). Seguindo o modelo keynesiano, a economia islandesa aderiu completamente ao liberalismo e tornou-se, para colocar em termos simples, um “enorme banco”, e justamente por isso foi um dos primeiros países a “rodarem” com a crise deflagrada no fim do ano passado.

Contudo, o sucesso da economia islandesa durante quase um século rendeu ao país um dos maiores PIBs per capita do mundo. Tudo é muito caro aqui, e mesmo assim a população consome fartamente. Carros (todos importados, por óbvio) dos mais luxuosos, construções modernas e que certamente custaram uma fortuna, lojas de artigos de luxo em cada esquina. Tudo isso contrastando com o ar calmo e tranqüilo de uma cidade – Reykjavík – de 120.000 habitantes, mas que jura por Deus que é uma megalópole.

O sistema de transporte urbano é insano. Passam ônibus por quase todas as ruas da cidade, E OLHA QUE TEM RUAS PRA CACETE! Outra mania nacional: dividir as cidades nos mííííííííííííínimos detalhes. Se você pega um mapa de Reykjavík, logo pensa: “puta merda, e eu achando que a cidade era pequena! Olha tudo isso!”. Ledo engano. Curiosamente, eu só encontrei UM mapa de Reykjavík que apresentava uma coisa que, apesar de eu não ser cartógrafo, desconfio que deva existir nos mapas desse tipo: ESCALA. Não tem. Provavelmente porque eles teriam de fazer a escala em PASSOS, e não em quilômetros. Por diversas vezes eu me confundi, porque no mapa a rua parecia gigante. Eu estava no começo dela e o shopping para onde eu queria ir, no fim. Mas eu estava vendo o shopping dali de onde estava. Levei quase cinco minutos para chegar lá. A própria rua em que a Monika morava, se estivesse num mapa de São Paulo, teria uns 2km. Mas ali em Reykjavík tinha exatamente 3 casas de comprimento.

O shopping mais central da cidade é o Kringlan, onde você pode encontrar praticamente tudo de que possa precisar. Sim, tem um McDonald’s. Mas o que eu queria era um chip de celular, que me custaria uns 5 dólares. Dei uma volta pelo shopping, olhando as lojas, admirando os preços e me sentindo o sujeito mais sem posses (para não dizer pobretão) do mundo. Bem, do país, se considerarmos que um pobre na Islândia está melhor que 85% da população do mundo.

Como e já disse, tirando o motorista de táxi que me levou à casa da Monika e provavelmente mais umas duas ou três pessoas, todo mundo fala inglês, a maioria muito bem. Não que eles morram de amores pelo inglês, mas, porra, só eles falam esse diabo de língua no mundo, então é de se esperar que, à exceção de uma meia dúzia de idiotas aficionados, ninguém vá se dar o trabalho de aprender islandês para visitar o país ou com ele realizar trocas comerciais.
Assim que habilitei o número, liguei para a Monika e disse que ia para “o centro” (hahaha) dar umas voltas e comer alguma coisa. Claro que, independente de o semáforo estar aberto, os carros param quando você se prepara para atravessar a rua, o que facilita ainda mais a perambulação pela cidade. Sim, porque VAI TER CARRO ASSIM NA PUTA QUE PARIU! Os islandeses talvez se orgulhem de existirem no país mais celulares (e ovelhas, e cavalos, e em breve cisnes e gansos) do que pessoas, o que não deveria querer dizer que precisassem ter mais carros do que pessoas para dirigi-los.

Como eu queria experimentar o transporte urbano, peguei um ônibus na frente do shopping para ir até o hotel onde eu ficaria. Arrependi-me amargamente, pois a “passagem” custa 280 krónur (2,30 dólares), e eu não fiquei nem cinco minutos no ônibus, isso contando uns 30 segundos parado num semáforo. E quando eu falei em “passagem” foi apenas para ilustrar. Ao lado do motorista tem uma caixa de acrílico onde você joga as moedas para pagar pelo transporte. Quando eu estendi as moedas para ele, ele apontou para a caixa. “Não quer conferir?”, perguntei, tolamente. Repeat after me: I AM NOT IN BRAZIL. HERE PEOPLE TRUST EACH OTHER. Joguei as moedas (juro que a quantia certa) na caixa e fui para o fundo do ônibus. Mal havia me acostumado com o quentinho dos assentos aquecidos e já tive de descer.

Reykjavík é tão pequena que a única maneira de você se perder na cidade é usando o mapa. Eles dão nome pra cada centímetro de rua, então é melhor confiar no senso de direção e, é claro, nos pontos de referência. Há igrejas espalhadas pela cidade toda, e são – à exceção dos novos prédios de 10 a 20 andares que estão sendo construídos na área do porto – os prédios mais altos. Num raio de 200m da casa da Mônica tem 3 igrejas. Mas não é de se iludir: a população não é assim tão religiosa. 82% da população se diz protestante, mas ultimamente só têm protestado em frente ao Parlamento, exigindo a cabeça do Primeiro-Ministro.

Quando desci do ônibus, em frente à prefeitura, vi que segundo o mapa eu estava a 5 quarteirões do hotel em que ficaria, mas, é claro, ele estava ali pertinho. A fachada era simpática, um prédio de 4 andares, antigo, com a cara da cidade. Entrei, não tinha ninguém na recepção. Comecei a andar pelo térreo e cheguei à cozinha. Havia cinco pessoas ali, todos mais ou menos da minha idade. A cozinha estava uma zona, com panelas, pratos e copos por todos os lados. Usados, claro. Armários abertos, pacotes de comida espalhados pelas mesas. Perguntei a uma moça se ela falava inglês (só pra testar o pouco de islandês que eu achava que havia aprendido), e à resposta afirmativa eu perguntei se ela estava hospedada ali. Com cara de pesar, ela disse que sim. Estava estudando na Universidade da Islândia, fazendo um curso de inverno, e como morava em Akureyri – no norte do país –, hospedara-se ali, já que era barato. Perguntei-lhe se estava gostando, e ela disse que havia se arrependido. Que os hóspedes eram barulhentos e vira e mexe faziam “festinhas” nos quartos. Se eu precisava de um motivozinho sequer para repensar na proposta que a Monika havia feito ainda quando nos falávamos pela internet – de alugar o 3º quarto da casa, por 5000 krónur a menos do que eu pagaria no hotel, isso foi o suficiente. Como não havia feito reserva formalmente, já que a proprietária disse que nesta época do ano era só chegar e pegar a chave, nem falei nada com ninguém ali no hotel. Saí de fininho, decidido a depois mandar um e-mail dizendo que “por motivos pessoais me impossibilitariam de me hospedar no hotel”. Vamos lá, não menti. Cozinha zoneada é um motivo muito pessoal, para mim. Era hora de ouvir da minha mãe a pergunta: “tá comendo direito???”, ou seja, procurar um telefone público para ligar para casa dizendo que eu estava na Islândia – vivo e (quase) quentinho.

A Baía de Fumaça, terra dos Vikings e do melhor hot-dog da Europa

Foi difícil dormir. Apesar do cansaço extremo, depois de ficar correndo de um aeroporto para o outro durante um dia inteiro, fazendo 3 check-ins, passar 3 vezes pela segurança, enfim, eu tive dificuldade para pegar no sono, simplesmente porque não conseguia parar de pensar que, dali a algumas horas, eu finalmente iria conhecer Reykjavík, depois de sonhar com isso por quatro anos e encher o saco de um monte de pessoas com as coisas que eu descobria sobre a Islândia. Eu já tinha notado que, quando falava sobre isso, eu parecia aqueles garotos de 12 anos que ganhou o presente que queria e então precisava mostrar pra todo mundo o que conseguia fazer com ele. E olha que eu nem havia ganhado (ou ganho? Eu nunca me lembro...) o presente ainda (o que provavelmente significa que foi muita sorte de algumas pessoas – o pessoal que convivia comigo em Franca, por exemplo – a faculdade ter acabado, porque quando eu voltar eu só vou falar nisso por uns dois ou onze meses)...

Mal havia conseguido pegar no sono e o celular despertou. Eram dez da... manhã? Não... bom, não parecia ser, pelo menos. Sabe quando você acorda ainda com muito sono e mal sabe o que está fazendo? Pois então, tive certeza de que era o que tinha acontecido. Mas não. O relógio do celular estava correto, assim como o relógio da parede (que graças a Deus não faz aquele maldito tique-taque). Eram dez da manhã. Mas estava escuro.

Quando eu abri a janela, para logo já fechar por causa do frio intenso que invadiu o quarto, vi que o dia começava a aparecer, mas sem um nascer do sol distinguível. Parecia simplesmente que o sol estava dando um tchau por estas bandas, uma visita de médico. E foi isso mesmo, porque ele iria embora seis horas depois de dar o ar da sua graça, e sempre atrás das pesadas nuvens cinzas, que parecem não sair de cena jamais.

Eu já estava pronto havia uma hora quando a Monika saiu do quarto. Ela tomou mais daquele nojento leite de arroz, o qual eu polida e terminantemente recusei, e saímos da casa. Caía uma chuvinha bem fina, tão fina e gelada que parecia pó de neve. Caminhamos por uns dez minutos, com a Monika me mostrando o caminho mais fácil para chegar ao coração da cidade. Passamos em frente ao Bónus, que é o supermercado mais barato do país, e chegamos ao Hlemmur, principal dos seis terminais de ônibus urbanos da cidade. Ali nos separamos, pois ela ia por um caminho diferente para o jardim de infância. Eu segui em frente, atravessando a Laugavegur, principal rua do comércio de Reykjavík. Dezenas de lojas vendiam de tudo, mas principalmente roupas e calçados e bolsas e souvenires. Tudo a preços extorsivos, é claro. Já havia lido em algum lugar que as lojas da Laugavegur, se anunciavam desconto de 40%, estavam, ainda assim, ganhando uns 20% mais que qualquer loja equivalente na Europa. Cachecóis por 10.000 krónur ( US$ 84), casacos desses impermeáveis, de uma marca islandesa – a 66º North, que nem é tão famosa –, por 75.000 krónur (US$ 630), ursinhos de pelúcia com a bandeira nacional costuradas nas costas pela bagatela de 6.000 krónur (US$ 50). É, a fama de ser um dos países mais caros da Europa estava plenamente justificada.

Andando mais um pouco passei por diversos cafés, sendo um deles o Hljómalind, cuja fama eu já conhecia. Esse café era, antes, uma loja de discos gerenciada pelo então agente da banda Sigur Rós, e deu nome a uma das músicas do grupo (veja o videoclip). Marquei o lugar no mapa que trazia comigo para voltar mais tarde, porque, naquele momento, eu queria mesmo era chegar à praça do Parlamento, simplesmente porque fazia quatro anos que eu esperava por isso.

A Laugavegur nascia na Bankastraeti, onde fica o Landsbankinn – aquele banco que precisou ser comprado pelo governo islandês para não quebrar, levando os correntistas consigo. Anotei também no mapa porque precisaria ir trocar o restante do dinheiro depois. Menos de dois minutos depois eu cheguei no cruzamento da Bankastraeti com a Laekjargata, onde fica outro terminal de ônibus, e segui até chegar na Austurvöllur. A praça do Alþingi, o Parlamento mais antigo do mundo.

Foi emocionante. Eu já vira mil fotos do lugar, já percorrera cada centímetro com o Google Earth, mas a sensação não foi a de estar visitando o local novamente. Foi como se eu soubesse exatamente o que me esperava, mas, ainda assim, ficasse completamente extasiado com o que encontrava. O prédio de dois andares com suas janelas e sua sacada branca, que se voltavam para a estátua de Jón Sigurðsson, o literato nacionalista iniciador do movimento que culminou na independência da Islândia em face da Dinamarca, em 17 de junho de 1944 (durante a ocupação da Dinamarca pela Alemanha nazista).

Foi ali, exatamente naquela praça, em que a personagem principal do livro assistiu a uma apresentação do Sigur Rós, e eu podia ver perfeitamente o exato lugar onde ele estava, em pé, ao lado da estátua de Sigurðsson. Sentei num banco – coisa de que me arrependi imediatamente, já que havia chovido – e passei algum tempo apenas contemplando o lugar – e tirando muitas fotos.

A próxima parada foi a algumas dezenas de metros dali, na Prefeitura, que fica às margens do Tjörnin – lagoa bem no centro da cidade, onde patos, marrecos, gansos e cisnes são fartamente alimentados pelas pessoas. Os bichos estão tão gordos que fariam inveja em qualquer produtor de foie gras francês, e como seu único predador é, no máximo, a remota eventualidade de morrerem afogados no lago ou atropelados na rua que divide o lago em dois, calculem o tamanho da população. O lago deveria congelar no inverno, mas a-há! Água quente das fontes geotérmicas é bombeada para dentro do lago, para que os bichinhos possam nadar durante o inverno. How touching.

À margem esquerda do lado, para quem o olha da Prefeitura, fica a Frikirkjuvegur, rua da Fríkirkjan, uma igreja luterana, e uma das mais antigas na cidade. À margem direita está a Tjarnargata, literalmente “rua do lago” (uma vez que Tjörnin significa “o lago”, e gata, rua). Era aonde eu queria ir, por ter sido essa rua escolhida como a que abrigaria a casa das personagens do livro. Então atravessei a Skothúsvegur, que também aparece na estória, e cheguei à Tjarnargata, onde logo vi a casa que havia escolhido, dois anos antes, pelo Google Earth. Fiquei durante muito tempo ali, olhando para a construção, reparando em cada detalhe, desde o jardim castigado pelo frio à tinta branca que já descascava dos batentes da porta e das janelas, bem como o telhado pintado de azul. Quando me dei conta de que as pessoas provavelmente achariam estranho que um estrangeiro ficasse tanto tempo olhando para uma casa, decidi sair dali.

Andando mais um pouco, cheguei à Suðurgata (rua do sul), onde ficava mais uma “locação” do livro: o velho cemitério central, Hólavallagarður (que, salvo engano, significa “cemitério da colina”). O portão principal estava trancado, o que não foi exatamente um inconveniente, já que os outros dois portões, menores, ao longo do muro que dava para a Hringbraut (pequena rodovia que corta o sul de Reykjavík e desemboca na estrada que leva ao sudoeste do país), estavam destrancados. Quando entrei já estava começando a escurecer, o que deixou a cena toda ainda mais interessante.

As pessoas enterradas ali morreram há muito, muito tempo. A morte mais recente que vi ali foi em 1960, sendo que muitas daquelas pessoas haviam morrido ainda antes do início da II Guerra Mundial, em 1939. Aberto em 1838, o Hólavallagarður parou de “receber hóspedes” na década de 1960, quando já não havia mais espaço. Os mortos passaram a ser enterrados no cemitério Fossvogur, muito maior, que fica ao lado do Perlan.

Fiquei ali até o anoitecer, observando os túmulos e os nomes neles inscritos. Havia muito musgo por tudo, e os caminhos por entre os túmulos é muito estreito, tortuoso, como se não fosse mesmo para ninguém ficar perambulando por ali. As árvores, na maioria centenárias, dão ao lugar um aspecto ainda mais sombrio. O lugar perfeito para uma aventura assustadora no meio da noite (para a personagem do livro, não para mim, é claro, hehehe).

Saindo dali atravessei a Hringbraut e cheguei ao Þjóðarbókhlaða, o prédio no meio da enorme área verde – agora amarelada e branca, por causa do inverno – onde funciona a Landsbókasafn Íslands (National and University Library of Iceland, Biblioteca Nacional, que também serve à Universidade da Islândia). A biblioteca também aparece na estória, e eu estava pronto para tirar centenas de fotos dentro dela, quando percebi que estava fechada. Era dia 2 de janeiro, e só voltaria a funcionar no dia seguinte. Já estava escuro, eu precisava comer alguma coisa, então decidi ir embora. Mas não sem antes, é claro, ir ao Bæjarins Beztu Pylsur (Literalmente “O Melhor Cachorro-Quente da Cidade”).

Não é segredo que eu não como cachorro quente, mas putz, até o Bill Clinton comeu ali. As personagens do meu livro também, e diacho, custava menos de 1,5 dólar. Cheguei lá, na esquina da Tryggvagata com a Hafnarstræti, a poucos metros do porto, e a fila era grande. O Bæjarins Beztu foi inaugurado em 1937, e em 2004 foi eleito pelo tablóide britânico The Guardian como o melhor trailer de cachorro quente da Europa. A proprietária, que atendeu o próprio Bill Clinton (veja a foto), estava lá no balcão.

“Ein pylsa, öllu,” pedi, quando chegou minha vez, certamente no pior sotaque islandês que a pobre coitada já ouviu (à exceção, talvez, daqueles japas que vão para todos os lugares do mundo e cismam em falar a língua local). No Bæjarins Beztu, “öllu” significa, numa tradução livre, “pode mandar brasa, sócia!”, ou, literalmente, “tudo”. Esse “tudo” é nada além de salsicha (ohhh!), cebola grelhada e picada, um molho especial (que não é o do McDonald’s) e maionese. Mas o trem é bão! Estou aqui há uma semana e já comi lá umas cinco vezes hehehehe (quem quer que vá mostrar isto para a minha mãe, favor recortar essa parte, ou ela vai “pensar” que não estou me alimentando direito – e, se você conhece a minha mãe, sabe que é melhor, para mim e para você, não fazê-la pensar isso).

É, Reykjavík é mesmo uma cidade fascinante, apesar de diminuta (para a capital de um país que detém o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do mundo, e que ocupa também o 1º lugar na lista das 15 cidades mais verdes – bah, eles não conhecem Manaus =P). Fundada oficialmente como cidade e centro de comércio em 1786, apenas três anos depois da catástrofe que quase dizimou toda a vida na Islândia (e que relatarei em breve, já que pretendo visitar o local da tragédia, que se situa numa área de constante atividade vulcânica =D ). Acredita-se que nesta mesma área, por volta de 870 d.C. (ou seja, bem no início da Era Viking, que duraria até meados do século XII), Ingólfur Arnason tenha estabelecido o primeiro grupamento humano na Islândia. O nome da cidade deve-se à enorme quantidade de geysir (gêiseres) da região, sendo que Reykjavík pode ser traduzido como “Baía de Fumaça” (sem qualquer semelhança à Bahia da Fumaça com que sonham tantos unespianos). Ao longo dos anos deu-se um enorme êxodo rural em direção à capital, e seu crescimento foi bastante rápido. A cidade ficou mundialmente famosa (ok, talvez não tanto assim) depois do clássico embate na final mundial de xadrez entre Bobby Fischer e Boris Spassky, da qual o americano saiu vencedor. Foi, ainda, o palco do encontro entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchev em 1986, nos preparativos para a tão esperada defenestração do comunismo.

A Amélie Poulain de Reykjavík

Eu só conhecia a Monika através do Couchsurfing, e já tinha reparado nas semelhanças dela com a Amélie Poulain, mas, poxa, pessoalmente é impressionante (essa é em sua homenagem, Renan, que adora a Amélie). Monika estava sozinha em casa, porque Karl, o americano com quem ela divide o apartamento da Hjámholt, havia voltado para os EUA e só voltaria a Reykjavík dia 8 de janeiro, e Andrew, o outro americano (que estava apenas passando alguns dias ali), havia saído.
Monika é uma ex-vegetariana, ex-vegan na verdade, que sucumbiu aos prazeres da carne animal (desconfio que nunca tenha aberto mão dos prazeres da carne dos islandeses – não que pareça ser uma garota fácil ou nada disso, é que ela é bastante bonita, pele clara, cabelos bem lisos e escuros, olhos esverdeados, enfim, além de bonita é muito diferente das garotas por aqui, e por isso deve chamar muito a atenção).

Ela me convenceu, sem muito esforço, a dormir ali naquela noite, porque estava chovendo um pouco e ia ser difícil chegar no hotel àquela hora. Então, enquanto comíamos o jantar que ela preparara (arroz com páprica, cogumelos e pimentão vermelho, e para beber leite de arroz – que é a bebida mais horrenda que já provei, depois de suco de couve), conversamos bastante. Ela trabalha num jardim de infância, e veio para a Islândia seis meses antes de terminar o curso de música na Universidade de Poznan. Aparentemente os pais dela têm bastante dinheiro, mas ela decidiu viver algum tempo fora de casa, sem depender deles, para tentar fazer algo com o próprio esforço. Porém o jardim de infância já disse que vai demiti-la em fevereiro, então ela está seriamente considerando voltar para casa em maio, quando as economias dela já terão se esvaído.

Eu diria que ela é uma mistura da Amélie com o burro do Shrek, porque fala pra cacete! Muito simpática, e muito direta. Diz o que pensa, e “do not take it personal”. Ela fez mil perguntas sobre toda a minha vida no Brasil e outras muitas sobre o livro, achou o máximo o que ela chamou de “simplesmente escolher um país para escrever sobre e se mudar para lá por um mês e meio”. Às vezes é um pouco difícil de entendê-la, e eu estava na dúvida se ela era lésbica, porque levei algum tempo para perceber que de vez em quando ela confunde “he” com “she”. Ficamos conversando até depois das quatro da manhã, quando ela, notando que eu estava “pescando” enquanto ela falava, perguntou, com o sotaque polonês:

“Você quer ir dormir?”

“É, acho que não tô mais parando acordado… foram quase 24 horas de viagem, e dormi pouco nos vôos...”

“Tudo bem. Amanhã vou para o centro às 11 e meia, porque tenho que trabalhar. Se você quiser ir comigo, eu lhe mostro o caminho mais rápido para chegar lá, e também onde fica o supermercado mais barato da cidade. Esse vale a pena conhecer, porque todos os outros são EXTREMELY (ela adora usar essa expressão) mais caros”.

“Claro. Irei com você.”

“Já deixei o quarto pronto. O banheiro é ali naquela porta, pode tomar banho se você quiser. Boa noite”, disse ela, mostrando o banheiro e o quarto e indo dormir.

O lugar onde a Monika mora é muito bacana. É um prédio novo, e o “porão” é dividido em 2, sendo que no apartamento ao lado moram outros três poloneses (em Reykjavík há muitos poloneses e tailandeses). Há um banheiro espaçoso, onde fica também a máquina de lavar roupas. Não há secadora porque tem aquecedores em todos os cômodos, então eles simplesmente penduram as roupas em cabides e deixam secando dentro dos quartos. São três quartos, uma cozinha com armários coloridos, fogão elétrico e uma geladeira esquisita, de duas portas do mesmo tamanho, sendo que a parte de baixo é o freezer. A sala tem dois ambientes e abriga uma mesa de jantar com quatro cadeiras coloridas, uma mesa de centro e uma de canto (ufa), além de um sofá de 4 lugares e vaso com uma árvore – que atualmente é de Natal. E apesar de todas essas coisas ainda tem bastante espaço vago. Ah sim, e tem ainda o 3º morador da casa, Hanes (pronuncia-se “Ránesh”), o gato que é igualzinho ao Garfield (na cor, na gordura e no sarcasmo – não, ele não fala, mas só falta isso) e tem o mesmo nome do ex-namorado da Monika. Quando ela nos apresentou eu perguntei se o nome do gato era devido ao ex, mas aparentemente o animal (o gato ou o Quico?) pertencia ao antigo morador, que se mudou para Akureyri (cidade no norte da Islândia) (é, eu adoro explicar as coisas entre parênteses) (não é recomendado, estilisticamente falando, mas o blog é meu e eu faço o que quiser nele) há quatro anos e deixou, dentre outras coisas, o bichano. Perguntei para ela se eu corria o risco de, dado o desapego do ex-morador, encontrar, sei lá, a mãe dele jogada em algum canto, mas aparentemente eu não correria esse risco.

Arrumei minhas coisas no quarto, o que pretty much significa que eu deixei tudo num canto, peguei meu pijama, uma toalha, a escova e a pasta de dentes e fui tomar um banho. Eu poderia ter ficado duas horas naquela água quente, não fossem dois motivos: em primeiro lugar, eu era um convidado e não queria abusar da hospitalidade da anfitriã. Segundamente, a água cheirava a enxofre! Não um cheiro muito forte, mas dava perfeitamente para sentir o odor do diabo na água. Pensei que talvez tivesse levado a sério demais a história de “sobrinho do capeta” (como uma vez me chamou o então chefe de gabinete – e piadista nas horas vagas – do então prefeito de Laranjal, Roberto “Graças-a-Deus-já-foi-embora” Fuglini. Chefe de gabinete esse que, por inacreditável coincidência – e crueldade da mãe –, chama-se Hilário – ha ha ha piada pronta!), mas aí que eu me lembrei de uma coisa. Todas as casas de Reykjavík possuem sistema de aquecimento geotérmico, ou seja: a água quente que sai das torneiras vêm do Perlan, um gigantesco reservatório de água sugada das fontes termais da região. E, bem, não se poderia esperar que a água aquecida por estar em contato com magma cheirasse a lavanda, né? Aliás, algo também muito interessante, é que os aquecedores que esquentam os cômodos não funcionam, como nos EUA e na maioria dos países frios, a gás ou à energia elétrica: aqui eles são feitos de canos de cobre por dentro dos quais passa essa mesma água fervente que sai do Perlan. A Islândia, tempos atrás, recebeu um prêmio por levar realmente a sério a utilização de fontes alternativas de energia, sendo a geotérmica a principal delas. Aqui existem muitos, mas muitos rios de planalto, de correnteza forte, que poderiam ser represados para a construção de hidrelétricas. O problema seria que, no inverno, não haveria energia, porque os rios congelam. Então não foi exatamente um ato de benevolência à natureza o fato de a Islândia, com seus 300 mil habitantes, usar a enorme quantidade de água fervente que brota do seu chão como fonte de energia. Foi pura inteligência, que explica por que causa, razão ou circunstância, num país com um dos custos de vida mais altos do mundo, onde tudo é caro por ser importado, água e energia elétrica são de graça.

Finally... Ísland!

Foram três horas de vôo. Desta vez sentei à janela, o que foi de absoluta e completa inutilidade, já que viajávamos à noite. O mesmo procedimento no aeroporto, com uma diferença: já passava das onze e meia da noite, o que significa que a casa de câmbio estava fechada, e eu não tinha uma króna furada para comprar a passagem do Fly Bus que me levaria a Reykjavík. Aí eu corri no duty free e pedi pra um dos caixas trocar para mim, e ele disse que não podia. Ah é?
“Se eu pagar em dólar vocês voltam troco em króna?”
“... sim.”
Peguei um pacote de balas de 150 krónur (mais ou menos US$ 1,20) e paguei com uma nota de 100 dólares. O tal de Bjärni, conforme dizia o seu crachá, olhou com uma cara meio feia, mas, pra ser sincero, era a única que ele tinha, então não me ofendeu.
Agora era hora de passar pela segurança. Todo mundo passou, menos eu (provavelmente porque eu era o único que não tinha passaporte europeu). O guarda, que certamente tinha uma espada Viking escondida nas costas (sem interpretações maliciosas, por favor), disse:
“Boa noite. O que você veio fazer na Islândia, Mário?” (eles não chamam as pessoas pelo sobrenome precedido por Mr. / Mrs. / Miss)
Outro! Mas como com esse a coisa era séria, resolvi não brincar e expliquei exatamente o que estava indo fazer, onde ia ficar etc. Ele disse, apontando para uma sala:
“Dê-me seu passaporte e acompanhe-me, por favor.”
Ai! Senti o estômago embrulhar na hora. Já estava preparando o discurso e as lágrimas, se me impedissem de entrar no país. Quando ele voltou, eu já estava com as passagens de volta, as reservas nos hotéis de Reykjavík, Copenhague e Paris, bem como o cartão do seguro de saúde, na mão. Quando ia começar a falar, ele me entregou o passaporte e disse:
“Bem vindo à Islândia. Agora corra ou perderá o ônibus para Reykjavík.”
!!! Sem dizer nada, com medo de fazer alguma besteira, arrumei as coisas na mochila e zarpei dali imediatamente. Corri de volta para o guichê do Fly Bus, comprei a passagem, peguei uma de cada brochura que eles ofereciam “de grátis” e entrei no ônibus. Estava um frio do cão. Para variar, todos os passageiros já estavam lá quando eu entrei. Sentei lá no fundo, onde não havia ninguém, e fiquei com a cara grudada na janela, observando cada detalhe. Agora eu estava, de fato, na Islândia.
As placas dos carros islandeses têm apenas 5 dígitos: 2 letras e 3 números. Pode parecer pouco, mas se você fizer a análise combinatória disso aí, dá placa pra cacete, e como o país inteiro tem menos de 350.000 habitantes, é mais que o suficiente. E, como alguns sabem, eu tenho mania de ficar olhando placas de carros. E eis que bem ao meu lado passa um carro com as placas: MH 201. Coincidência? Certamente (p.s.: tirei uma foto, para que não digam que estou inventando hehehe).
Uma coisa que achei extremamente bizarra foi o fato de que as estradas islandesas são iluminadas por postes. Isso mesmo. Pensei que era só perto dos acessos às cidades, mas não! Postes de luz ao longo de toda a estrada, desde Keflavík até Reykjavík. A viagem demoraria mais ou menos quarenta minutos, e ao longo do caminho foram passando placas cujos nomes eu já conhecia, de tanto olhar os mapas da Islândia: Kopávogur, Gríndavík, Sellfoss, Reykjanesbraut, etc. Senti o coração disparar quando, numa bifurcação, o motorista entrou na Myklabraut, e logo uma enorme placa surgiu na estrada: “Bem vindo a Reykjavík, a capital mais ao norte do mundo”. Agora eu oficialmente estava em Reykjavík.
O Fly Bus parou na estação central de ônibus, o que é um tanto quanto longe do centro da cidade se você está a pé, com uma mala e uma mochila enormes, muito cansaço e, especialmente, muito ansioso.
Então decidi ligar para a Monika, a polonesa que conheci pelo site do Couchsurfing (uma espécie de orkut de pessoas que ficam umas nas casas das outras quando viajam pelo mundo). Era meia noite e tanto, mas ela havia dito que eu podia ligar, já que só ia trabalhar depois das 12h no dia seguinte, e eu estava um pouco desesperado. Não tinha um gato pintado naquela estação.
Ela atendeu e disse que se eu tivesse ligado 10 minutos antes (obrigado, cara da alfândega) uma amiga dela teria ido me buscar de carro, já que elas estavam me esperando para jantar. Então ela me disse que um táxi até a casa dela (que fica perto do hotel onde eu iria ficar) custaria mais ou menos 1500 krónur.
Aí veio mais um golpe de sorte: eu provavelmente escolhi uma das 3 ou 4 pessoas na Islândia que não falam inglês. E aparentemente o cidadão era motorista de táxi por cota, porque eu mostrava e mostrava pra ele, no mapa, a rua em que queria ir, e ele não entendia. Até eu conseguir, depois de umas 10 tentativas, pronunciar corretamente o nome da rua (o islandês é pronunciado de maneira completamente diferente de como é escrito), ele me levou até lá. Mas o FDP, por volta da minha 5ª tentativa de pronunciar o nome, ligou o taxímetro! Mas que velho sacana! Como eu estava cansado, muito cansado, e queria logo um chuveiro e uma cama, decidi não discutir com alguém cuja língua eu não falava. Quando chegamos na rua Hjámholt, número 6, eu desci, paguei 1350 krónur e ele foi embora. Não tinha ninguém na rua. É uma rua bastante curta, com umas 5 ou 6 casas de cada lado, apenas. Subi as escadas para chegar à porta do 1º andar (a casa tinha 2), e não vi o nome da Monika, nem o do Karl (o americano que mora com ela) na plaquinha de identificação dos moradores. Esperei por mais 10 minutos, num frio do cão, andando de um lado pro outro, e nada. Até que tive a brilhante idéia de ver se não havia alguma espécie de porão, tão comum nos países do norte. Tinha, e lá estava: Monika Gapinska. Toquei a campainha e a Amélie Poulain abriu a porta.

Copenhagen

Quase duas horas depois chegamos em Copenhague. O dia estava bonito, com algumas nuvens no céu mas o sol aparecendo entre elas. Talvez tivesse sido um bom negócio perder o avião. Cheguei em Copenhague às 14h, liguei para casa (já que em Paris eu não tive tempo) e fui trocar alguns dólares em coroas dinamarquesas para comer no aeroporto, já que a super refeição da TAM parecia um aperitivo (e mais uma vez comprovada a tese do Danilo Gentili, de que não há necessidade da empresa fornecer DUAS torradas para comer com margarina, se a margarina só dá para UMA torrada, anyways). Foi quando quase veio o 3º mico. A moça que trabalhava no guichê de câmbio era muito simpática, parecia ser das Filipinas ou da Indonésia. Quando disse que queria trocar cinqüenta dólares em coroas ela perguntou (tradução simultânea ativada):
“Tem certeza?”. Eu respondi:
“Ahn... sim?” (com interrogação mesmo, como se a estivesse desafiando).
“Vai ser o suficiente?”
“Sim, vou ficar só algum tempo aqui no aeroporto”.
“Ah, vai fazer conexão?”
“Não, vou me teletransportar pra cama da rainha Margrethe!”, pensei. Mas respondi:
“Sim”.
“Para onde você vai?”
Preferi supor que ela não estava sendo intrometida, mas apenas querendo verificar para onde eu ia para tentar me vender a moeda do destino (nossa, essa expressão ficou parecendo, sei lá, um item mágico de RPG, A Moeda do Destino, ou o nome de um daqueles romances americanos que custam cinqüenta centavos e, invariavelmente, falam sobre amor, ódio, traição e dinheiro, não necessariamente nessa ordem).
“Islândia”.
“Nossa, o que você vai fazer na Islândia???”
Essa era boa! Eu quase não ouvi essa pergunta. As únicas pessoas que não me perguntaram “Nossa, o que você vai fazer na Islândia?” foram as que já sabiam o que eu vinha fazer aqui.
Mas é engraçado, na verdade. Porque, de certa forma, a culpa pela surpresa das pessoas que me perguntam isso é delas, não minha. Se eu fosse para Nova York, Paris, Londres, Roma, enfim, qualquer lugar mais conhecido, as pessoas não perguntariam “Nossa, o que você vai fazer em Nova York?”, simplesmente porque elas sabem o que tem pra se fazer lá. Simplesmente diriam: “UAU! Que da hora!!! Me leva com você???”.
Ora, quem disse que não tem nada legal pra se fazer na Islândia, que é só um gosto excêntrico? “Ah, não tenho o que fazer com o dinheiro que eu juntei durante cinco anos, vou torrar tudo... vamos ver... [fecha o olho e aponta o dedo para o mapa] Etiópia! Hum... não, eu precisaria de cento e cinqüenta anos pra gastar essa miséria na Etiópia... e não tô afim de comprar o país... vamos tentar de novo... hum... [abre só um pouquinho o olho pra garantir que não vai cair na África ou na América Latina] A-ha! Islândia!”.
Não, a culpa pela surpresa com que a maioria recebeu a informação de que eu vinha para a Islândia é das próprias pessoas, que não sabem nada sobre o país. Não que isso seja um crime, digamos que, até a crise explodir, a Islândia não era exatamente a queridinha dos noticiários no mundo. Como foi o primeiro país – país, não instituição financeira – a quase ir a pique com a crise, durante um tempo só se falou nisso. Foi a primeira vez que eu vi a Islândia na primeira página de qualquer jornal brasileiro. Mas enfim, o que quero dizer é que não, as pessoas não têm obrigação nenhuma de conhecer qualquer coisa sobre a Islândia, e até seria estranho se conhecessem, dada a... digamos... neutralidade (para não dizer pouca importância) do país no cenário internacional. Não que eu me importe, hehehehe, mas sejamos justos: a pergunta não deveria ser “caralho, que diabos você vai fazer na Islândia?”, e sim: “hum, Islândia... o que tem de legal por lá?”. Afinal, “caralho, o que você vai fazer na Islândia?” sugere que a pessoa que pergunta sabe que na Islândia não se tem o que ver ou fazer (o que não é, de forma alguma, verdade), e por isso se surpreendeu com a ida de algum conhecido para lá. Agora, também para ser justo, é perfeitamente justificável a pergunta: “caralho, que diabos você vai fazer DURANTE 45 DIAS na Islândia???”. Duas semanas seriam mais do que o suficiente. Mas por que ficar duas semanas se você pode ficar seis, pagando só um pouquinho a mais? O preço da passagem é o mesmo, anyways eheheh.
Onde eu estava? Ah, sim, a moça do câmbio. Aí eu expliquei para ela o que vinha fazer na Islândia, e ela perguntou de onde eu era.
“Brasil”.
“Hum! Vocês não têm inverno lá né?”.
Eu ia explicar pra ela que não é bem assim, que o Brasil é um país de proporções continentais, que em algumas partes do país até neva, que na minha cidade a sensação térmica já chegou a 0 grau, mas disse apenas:
“Não. E você, de onde é?”
Eu quase, juro, QUASE acrescentei um “Filipinas” no final. Nem sei por que não perguntei. Sorte, eu acho.
“Daqui mesmo”.
A dinamarquesa com menos cara de dinamarquesa que vi na vida. Papai e mamãe, ou pelo menos três dos avós certamente não eram dinamarqueses hehehe.
Fui comer alguma coisa no segundo andar, depois de fazer o check-in (para me livrar da mala). Havia um Burger King, com uma fila imensa, e uma pizzaria. A fome era grande, mas não do tamanho da pizza, que era enorme. Eu até achei que me equivocara, e que aquilo era pra duas pessoas, mas então vi uns russos (pelo menos parecia que eles estavam valando russo, ouvi distintamente as três palavras-chave que identificam o idioma russo: Glasnost, Perestroika e Vodka. Brincadeira, eles falavam muitos “da” e “nyet”, e tenho quase certeza de que ouvi um “spasibo”) levando uma daquelas pizzas pra cada. E estavam certos: eu comi a pizza inteira, deixando metade das bordas apenas. O nome é Diavola, mas não é tão forte quanto o nome quer fazer parecer.
Passei as seis horas seguintes mofando no aeroporto, já que o avião para Reykjavík só decolaria às 20h10. Serviu de consolo o fato de que, apesar da extenuante espera, eu estava esperando para ir, de avião, para a Islândia, em não de ônibus para Batatais (ia colocar Brodowski, mas aí poderiam achar que é alguma cidade polonesa, o que poderia dar ainda um pouco de dignidade ao destino).
Andei pelo aeroporto inteiro, até as costas e pés começarem a doer. Então encontrei um canto meio escuro, cheio de poltronas confortáveis, claramente pensado para os viajantes que quisessem tirar um cochilo enquanto esperavam o vôo. Sentei numa das poltronas e deixei a mochila ao lado, encostada na parede. Dez minutos depois uma garotinha de uns sete ou oito anos sentou-se numa das poltronas à minha frente e ficou ali, brincando com uma boneca um pouco esfarrapada. Não demorou muito e veio um rapaz, de uns 18 anos, chamá-la. Não sei exatamente qual parte do que ele falou era o nome dela, mas aparentemente a mãe dos dois a estava chamando, lá de dentro da loja de... caviar. Chatíssimo. O rapaz então sentou-se na poltrona em que ela estava e ficou folheando um catálogo. Eu estava com o livro de islandês na mão, tentando decorar os números, e ele viu. Então perguntou:
“Talar þú Íslensku?”
Uau! Para a minha enorme satisfação eu entendi! Balancei a cabeça negativamente e, feliz, disse que só falava inglês:
“Ég tala bara ensku”.
“Legal. Eu também não falo muito bem islandês. Minha avó é islandesa, estamos indo visitá-la”.
“Entendi”.
“Você é americano?”
“Não, não, sou do Brasil”.
“E vai visitar alguém na Islândia?”
Outro!
“Não, só passar algum tempo lá, mesmo. Terminei a faculdade agora e vou me mudar de cidade para continuar estudando e trabalhar. Então resolvi viajar antes disso, e sempre quis conhecer a Islândia”.
“Legal. A que horas é o seu vôo?”
“Ás oito e dez”.
“Icelandair?”
“Sim. E o seu?”
“Às sete, pela SAS”.
“Sorte a sua, estou aqui desde as duas da tarde”.
“Nossa! Que ruim. Bom, preciso ir para o portão. Coma no Bærins Beztu Pylsur quando chegar em Reykjavik, é o...”
“Melhor cachorro-quente do mundo. É realmente famoso”.
“Sim. Boa viagem e aproveita a Islândia”.
“Você também. Takk”.
Esperei por mais algum tempo, passei no duty free comprar chocolates (Kit Kat e Kinder Bueno, um monte de cada, por 6 euros) e fui para o portão. Meia hora depois estava entrando no último vôo do começo da viagem, ansiosamente esperando para chegar em Keflavík, pegar o ônibus que sai do aeroporto e, FINALMENTE, ir para Reykjavík, a cidade que, nos últimos 4 anos, tem sido constantemente parte dos meus planos.